Vida de Hermínia Silva


A boa disposição de Hermínia bem visível nesta foto

A 23 de Outubro de 1907 nasceu uma menina, que seria, poucos anos mais tarde, uma das estrelas do Fado, um elemento de identidade portuguesa, hoje considerado Património da Humanidade.

Hermínia Silva nasceu no Hospital de São José, em Lisboa. Hermínia tinha dois irmãos e era a segunda filha.

Em pequena, Hermínia era muito envergonhada e fugia. Em adolescente ainda aprendeu o ofício de costureira, que era o que normalmente as meninas aprendiam forçosamente naqueles tempos. Mas apercebeu-se rapidamente da sua veia artística e ingressou como “amadora na arte de representar”, na Sociedade de Recreio Leais Amigos. Foi em 1925 que Hermínia cantou Fado pela primeira vez, acompanhada de piano. No ano seguinte teve a sua primeira digressão, à qual Hermínia chamou “Tournée Artística Gil Vicente”, pelo sul de Portugal e alguns locais em Espanha.

Já pelo final da sua digressão, a 9 de Abril de 1927 Hermínia dá à luz um menino, com o nome Mário Silva. Ainda nesse ano, Hermínia escolhe seguir a carreira de fadista – ou como chamavam antigamente, “cantadeira de fados”.

No inicio da carreira, Hermínia cantava fado no final das sessões cinematográficas;  primeiro no "cinema Malacaio" e posteriormente no "Valente das Farturas", no Parque Mayer. Em 1929, Herminia notou que o fado por si só não a satisfazia, queria igualmente fazer teatro. Assim, entrou no teatro, onde começou por cantar Fado em três peças: “Ouro Sobre Azul”, “De Trás da Orelha” e “Off Side”.

Hermínia começou por receber muitos contratos como cantadeira, não só em peças de teatro, mas também em cafés, salões e em muitos outros locais públicos, por toda a Lisboa e em 1932 cantou alguns fados na opereta “Fonte Santa”, para a qual foi convidada.


Em 1933, fazendo-se acompanhada por Beatriz Costa, participou na revista “Feijão Frade”. Foi depois desta interpretação que Hermínia deu o “salto” para a ribalta, não só pelo facto de ter muitas qualidades artísticas, mas também pela sua personalidade castiça, brincalhona, cómica e detentora de um improviso único e fácil, sem nunca cair no vulgar, ou perder a graça, nem tão pouco a sua inconfundível capacidade “de trautear os refrões ou entoar “trolarós” que entusiasmavam o público, durante a parte instrumental que antecede os finais das músicas, ao invés de ficar em silêncio como a generalidade dos outros fadistas”[1] . Estas qualidades foram frequentemente elogiadas em vários artigos de jornal, como por exemplo no jornal Guitarra de Portugal, de Julho de 1945, onde lhe foi atribuída a primeira página,  descrevem Hermínia como “a artista cujo talento e fantasia se desdobram em mil e uma graciosas facetas: desde o “travesti” mais “rafinée” ao amis burlesco; da pitoresca imitação do trompete ao grave e clássico bailado em pontas – aquela que o povo tomou à sua conta e adora até ao fanatismo -...”[2]


Várias personagens de Hermínia Silva

Além do mais, algumas frases improvisadas de Hermínia tornaram-se inesquecíveis na cultura portuguesa, como por exemplo ““Eh pá ‘tas à rasca”, “Anda Pacheco” e “Isso bem picadinho que é p’ra voz sobressair””[3]. Estas frases eram pronunciadas quando Hermínia cantava acompanhada do seu guitarrista, António Pacheco.


Nas décadas 1930 e 1940, Hermínia foi detentora de vários êxitos, como a música “Velha Tendinha”, hoje um dos ícones de Hermínia, como também no teatro de revista. Ainda em 1938, Hermínia estreou-se no cinema, fazendo parte do elenco de “A Aldeia da Roupa Branca”, onde uma vez mais contracenou com Beatriz Costa. Foi o início de uma carreira fulgurante no mundo do cinema.


Em 1969, o filme “O Diabo era Outro” foi acolhido, em duas cenas, no próprio restaurante da fadista, o Solar da Hermínia – situado no Bairro Alto, no Largo Trindade Coelho. Neste filme participaram caras conhecidas como Nicolau Breyner, António Calvário e a própria Hermínia. É de salientar, que este restaurante foi inaugurado em 1958, um ano após o casamento de Hermínia com Manuel Guerreiro. Infelizmente, este fechou as portas a 23 de Outubro de 1982, depois de 13 anos de cantos de fados, não só de Hermínia, mas também de amigos da cantora. Numa noite, juntaram-se as três gerações Marceneiro, o avô – Alfredo Marceneiro –, o pai – Alfredo Duarte Júnior – e o filho – Vítor Duarte Marceneiro –, e cantaram noite fora, para grande alegria de Hermínia.[4]

Além deste restaurante em Lisboa, ambos abriram um outro em Benavente, terra da mãe de Hermínia, chamado “Pôr-do-sol”, onde Hermínia ainda cantava durante os serões de Sábado e na matinée de Domingo.
Durante este período em que Hermínia realizou o seu sonho gastronómico acompanhado de fado de mais alto gabarito, Hermínia regressou às suas origens, depois de um período de pausa teatral, ao teatro de revista.

É de conhecimento público e referido – não só no livro, mas como também em jornais e no documentário da RTP – o medo de Hermínia em viajar de avião, por isso as viagens que a Hermínia fez nessa altura, foram todas de carro ou de barco, como a ida para a Madeira ou até mesmo até ao Brasil (na década de 50); obviamente, este receio custou-lhe muitos contractos de trabalho além-mar durante os anos 30. Vale a pena referir, que a cantora não só tinha receio de viagens de avião, como também sofria de saudades deste cantinho à beira mar plantado, devido a isso, não aguentava ficar fora de Portugal muito tempo.

Hermínia correu meio mundo em digressão, pela América do Norte, Europa, América do Sul e, obviamente, por todo o Portugal. Era conhecida perante a comunidade Lusa nessas paragens, como também por nativos. A sua vasta colectânea, repleta de muitos êxitos, era também completa com a sua presença teatral e, igualmente, no teatro de revista.

Como não poderia deixar de ser, assim que a Rádio Televisão Portuguesa (RTP) surgiu em 1957, Hermínia também passou por este novo meio de comunicação: teve presença por vários anos no programa “Natal dos Hospitais”, em alguns programas televisivos e, onde não poderia faltar, na “Grande Noite do Fado”.

Esta grande Senhora passou por todas as casas de teatro mais emblemáticas do país, sendo em actuação ou até mesmo para receber prémios, como foi o caso do Teatro de São Luiz, onde recebeu a Medalha da Cidade de Lisboa.

Como não haveria volta a dar, sendo “Alfacinha de gema”, Hermínia também foi madrinha das marchas populares de Lisboa. Ia a provas de ciclismo, touradas e a vários jogos de bola, onde nalguns deu o pontapé de saída.

Como foi referido anteriormente, foi publicado um documentário sobre a vida e obra da Ti’ Hermínia – como a cantora Dulce Pontes gosta de a chamar. Deste documentário fizeram parte familiares, amigos, colegas do mundo artístico, caras conhecidas como Herman José, Fernando Pessa e Henrique Viana. Herman José referiu que Hermínia Silva faz parte do primeiro grupo de pessoas que ele intitula de “verdadeiras, sinceras e bondosas”.Além destas qualidades, diziam os amigos de Hermínia que ela gostava de dar fosse o que fosse, era generosa e solidária com os outros.

Hermínia teve, também, uma vida pessoal rica e preenchida. Ainda teve o gosto de conhecer os dois bisnetos. Após o encerramento do Solar da Hermínia e já retirada das lides artísticas, viveu os últimos treze anos da sua vida, em família, aparecendo, esporadicamente, em algumas entrevistas na RTP,  que serviram de base à realização do documentário anteriormente referido.

A longa e preenchida vida de Hermínia terminou a 13 de Junho de 1993.


São vários os documentários que relembram a grande fadista Hermínia Silva:

Seguem os documentários sobre a vida de Hermínia (RTP):

Por comemoração dos 100 Anos de Hermínia Silva, a RTP recordou-a:




[2] Marceneiro, Vítor Duarte – Recordar Hermínia Silva. Grafispaço – Centro Editorial Gráfico, Lda. Lisboa, 2004. p. 77.
[4] Marceneiro, Vítor Duarte – Recordar Hermínia Silva. Grafispaço – Centro Editorial Gráfico, Lda. Lisboa, 2004 p. 105 - 108

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